sexta-feira, 12 de julho de 2013

Oficina de texto - Colégio Nossa Senhora das Graças- Conta aí parceiro! - Título: O bilhete

- Oi, Tuca! Estava esperando meu sanduíche no balcão da cantina da escola quando ouvi aquela voz de mel perto do ouvido. Era quase um sussurro, e fiquei arrepiado na hora. Sem nem precisar olhar pra trás sabia exatamente quem estava ali: a menina com quem eu vinha sonhando há meses, mas que achava impossível que um dia pudesse me notar. - O...oi, Bebel - respondi meio gaguejante, me perguntando o que a aluna mais bonita e popular do segundo ano podia querer comigo, um cara comum do primeiro ano, meio desajeitado e não exatamente "um gato". - Quer sentar na minha mesa, Tuca? Traz seu lanche aí... - por incrível que pudesse parecer, aquilo era comigo mesmo. Fiquei paralisado de surpresa. Tive medo que ela pudesse ouvir meu coração disparado e quase saindo pela boca. Mas é claro que fiquei megafeliz. Um lanchinho a dois com a garota dos meus sonhos... nada poderia ser melhor. Se não fosse por um pequeno detalhe. "Oi, Tuca", tinha dito a musa. E meu nome é João Gabriel! João Gabriel, e não "Tuca". "Tuca" - ou "tucano" abreviado - é só um apelido idiota que a galera da minha turma colocou em mim... por causa do meu nariz, digamos, um pouco avantajado. Nunca me importei demais com isso (ou pelo menos sempre me esforcei pra não me importar). Afinal, todo mundo na turma acaba tendo apelido: tem o Zé Orelha, o Bola Cheia, o Vítor Dentão, o Marreco, o Caniço... Mas não gostei nem um pouco de ouvir a Bebel me chamando assim. Até porque, sempre que eu me olhava no espelho, aquilo me incomodava. Eu inclusive penteava o cabelo rapidinho, pra evitar de ter que ficar me observando muito, principalmente de perfil. Aquele narigão interminável, curvado pra baixo, com uma corcova meio bizarra... aquele narigão estragava tudo! Estava estragando até o meu encontro com a garota dos sonhos. - E aí, Tuca - ela interrompeu sorrindo os meus pensamentos deprimentes -, vai sentar ou não vai? Tem um tempão que eu estou muito a fim de falar com você... ** Eu, meio desastrado e nitidamente nervoso, sentei devagar imaginando o que aquela garota loira com olhos iluminados poderia querer falar comigo. - Ah sim, falar...está a fim de falar... pode dizer! A voz ainda gaguejante e meu nariz ganhando mais destaque por gotículas de suor que germinavam dos orifícios da minha pele juvenil. - Então, é o seguinte: Sabe seu irmão do terceiro ano: o Dante! Ele está comprometido? Tem namorada ou tem alguém que ele tá saindo... ela ajeitou a mexa do seu cabelo que ganhava mais vivacidade com o reflexo do sol. Eu, enxugando o suor com o guardanapo, mordi um pedaço do sanduíche para ver se ganhava mais tempo. Olhando para Bebel que imediatamente tomou o suco de goiaba que pedira com um sanduíche, não consegui disfarçar a decepção. O Dante, sempre ele- pensei. Alto, moreno, cabelos a la artista hollywoodiano, nariz grande, mas proporcional a sua altivez. Um sorriso discreto, porém mais disposto do que o da Monalisa de Da Vinci. Com esse nome ainda..que nem apelida cabia. O irmão mais velho do Tuca - um pífio mortal, indigno de ser admirado por qualquer aluna da escola, ainda mais pela Isabel Buarque. - Você não vai falar... te fiz uma pergunta tão simples! - Sabe o que é Bebel: eu não sei muito da vida do Dante. Ele está tão envolvido com os estudos para conseguir passar no vestibular da federal para o curso de Engenharia Civil, que não conversamos muito. Ele vive recebendo mensagens, telefonemas de meninas, mas não sei se é algo sério - respondi cabisbaixo. - Hum, penso que se ele estive comprometido, você saberia. Então, quero um favor... Sabia que lá viria a frase: Você pode mandar um recado para ele? Afinal, Bebel era conhecida não somente por sua beleza ímpar, mas também pela autenticidade. Tinha uma tatuagem nas costas com uma frase em latim, tocava guitarra e saiu da cidade interiorana no ano passado para fazer intercâmbio em Londres. De lá, trouxe costumes mais repaginados. Um visual que mesclava a doçura da menina mineira com a atitude de uma mulher cosmopolita. - Você pode entregar um recado para ele? Mas, tem uma condição: não pode dizer quem mandou, do contrário estraga tudo... posso contar com você? - olhou para mim, emborcando um pouco a cabeça e terminando de chupar com o canudo seu suco. Logo pensei: ela quer que eu entregue, não que eu fale. Vai existir um papel que provavelmente será dobrado... um papel que poderá ser rasgado...perdido...nunca dantes encontrado por Dante. O papel já estava pronto e nem sequer dobrado. O conteúdo explicitamente visível com letras rebuscadas, escritas com uma caneta preta com a ponta finíssima, num papel verde claro. "Permaneça na sala na quinta, após a aula de teatro. Alguém precisa falar com você." Pronto! Eis o bilhete. Resumido. Direto. Imperativo. Injuntivo! Era terça, teria dois dias para resolver o destino deles, ou melhor, nosso. Ela entregou-o na minha mão. Eu, meio trêmulo, deixei cair aquele papel, mas rapidamente, resgatei-o. Bebel levantou e com um sorriso atrevido reforçou: -Sem dizer quem é! Combinado? Obrigada João Gabriel... Fui juntando as peças: Dante, apesar de se sair melhor na área de exatas, vivia se debandando para expressões artísticas. Aos 14 anos, ganhou um violão e arriscou tocar clássicos do rock nacional. Agora, aos 17, começou a fazer umas aulas de teatro oferecidas pela escola. E é claro: Bebel, descolada como era, não podia ficar de fora dessas oficinas. Aposto que se flertam a meses. Aposto que aquele sorriso meio de lado, arrebatou o coração dela. E eu aqui, tentando ser notado. Investindo cada segundo do meu recreio naquele olhar... que nunca fora correspondido. É o nariz...essa corcova ridícula! Ai, como me odeio! Chegando em casa, encontrei Dante indo tomar banho. - E aí mano? ele sempre me chamava assim: mano. Não respondi nada e não tinha certeza do que faria com aquele bilhete. Entrei no meu quarto, peguei a bolinha de tênis e fiquei quicando ela no chão, próximo ao cartaz do filme: Star Wars. Pensamentos divergentes ocuparam a minha mente. Primeiro: é, eu nunca vou ter chances mesmo...deixa eles se ajeitarem! Em seguida: como sonho em beijar aquela boca, tocar aquele cabelo macio, ser tomado pelo sentimento mais piegas do amor. Ainda compulsivo nesse ato de quicar a bola, Dante entra repentinamente no quarto. - Posso usar seu netbook, esqueci o cabo da bateria na casa do Paulo, preciso olhar meus e-mails urgente. Não sei por que as perguntas e justificativas. Quando eu vi, ele já estava sentado na escrivaninha do quarto, abrindo minha mochila para pegar uma caneta. O bilhete estava lá, justamente no compartimento da mochila que ele metera a mão. À procura da caneta, Dante pega o bilhete e sorrateiramente esboça aquele seu sorriso de canto. - Gostei mano. Marcando encontros. Quem é a sortuda? - Ninguém. Esse bilhete é seu. Pediram para que eu te entregasse - essa fala saiu automática, quando dei por mim, já havia entregado o jogo, tal como Bebel queria, sem falar quem mandou. Pela primeira vez, vi seu sorriso por completo. Ele pegou o bilhete e estranhamente não indagou nada. Com ar viril, olhou seus e-mails, anotou uma data num papel, transpareceu felicidade, fez semblante de amásio. A quinta chegou. Fiquei na escola à tarde, fingindo estudar na biblioteca. Queria ver isso de perto. A aula de teatro começaria às 17 h, perdurando até às 18 h. Horário interessante para encontros. O entardecer modificando a cor celeste e o prenúncio da penumbra noturna. Era 17:50 h, peguei o livro de Shakespeare, cuja leitura havia sido marcada pela professora de Literatura, e, com ele aberto, me desloquei até a sala do encontro. Fiquei na janela fitando o momento final da aula. Em círculo, cerca de 18 alunos se alongavam. Na sequência, escutei palmas e os alunos se dispersando. Vi Dante. Ele era o mais alto de todos.Vidrei em suas ações. Ele pega sua mochila e senta no chão. Os alunos saem. Ficam na sala somente quatro pessoas. Mas, espera aí: Cadê Bebel? Procurando-a com a direção ocular, percebo tardiamente que uma moça de cabelos pretos começa a conversar com meu irmão. Isabel não estava lá. Uma voz sussurrada se aproxima de mim: - Oi, João Gabriel!- ela falou meu nome pela segunda vez... _ O...oi, Bebel!- calafrios e calafrios. Será que ela chegou para o encontro?- pensei imediatamente. - Tô aqui para certificar de que tudo deu certo. Olhando pela janela, ela reforça: -Parece que sim! A Giovana estava tão ansiosa por esse momento! Ela teve um rolinho com o Dante ano passado, porém precisou mudar de cidade. Agora, ela está de volta, mas como não conseguiu vaga aqui na escola, a forma mais rápida dela encontrar o Dante era nessa aula de teatro. Sugeri o lance do bilhete. Gosto de encontros meio a moda antiga. E você? Veio certificar também? - E...eu! Estava por aqui na escola, precisava pegar esse livro. As gotículas de suor começaram aparecer, mas agora no meu cabelo, -não era ela!Yes! Eu vibrava mentalmente: não era ela! - Que bonitinho... você foi uma graça! Bem, preciso ir andando. Vou ao cinema. A sessão é agora às 18: 30h. Até mais. - De costas, a fitei, tentando tomar coragem para continuar o papo. Mas, imediatamente pensei: ela não irá sozinha. Uma garota como ela não vai ao cinema sozinha. Então, consegui ler a inscrição nas suas costas: Carpe Diem! Sabia que aquela frase do poeta Horácio significava: Aproveite o momento! Não sei se era um sinal, algo parecido com uma mensagem de bilhete. O fato é que a vi desaparecer das minhas vistas e o desejo de tê-la sucumbido pela impotência de não conseguir compreender uma garota tão dúbia: amante de mensagens a moda antiga e com uma tatuagem nas costas. Sobrou a indecisão e... o momento ... não foi aproveitado! ***** Conto de Cris Matos - inverno de 2013.

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